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16 de Abril de 2024

Para promotor, decisão do STF vai legalizar ‘profissão de traficante’

Publicado por Camila Vaz
há 8 anos

A decisão que reduziu a punição a réu primário por tráfico de drogas pôs promotores e defensores em lados opostos. Para Marcelo Barone, promotor criminal de São Paulo e professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a decisão do STF tem como “único objetivo esvaziar as prisões” no País e vai na contramão da política de combate ao tráfico de outros países. “O que o Supremo fez foi legalizar a profissão de traficante e promover o aumento da quantidade de pessoas recrutadas pelo tráfico. Isso é ruim, ainda mais neste momento de crise econômica.”

Ele afirma que a medida deve reduzir em mais da metade o período de encarceramento de traficantes ou estimular a adoção do regime aberto. “Hoje, o traficante, não importante a quantidade de drogas, já fica, em média, um ano na cadeia. Com essa decisão, a pena dele cairá para três meses. Isso se a condenação não for ao regime aberto ou pena alternativa. Essa decisão vai aumentar o tráfico assustadoramente no País.”

Já para o coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Bruno Shimizu, há no País uma deliberada política de encarceramento, agravada em 2006 com a nova Lei de Drogas (11.343). Ele cita especificamente o problema feminino, usando dados do Infopen: houve aumento de prisões de 313,5% no número de acusadas por tráfico entre 2005 e 2014, de 4.228 para 17.483. Somente em São Paulo, o crescimento foi de 460,4% no mesmo período – de 1.432 (2005) para 8.025 (2014).

Para o defensor público paulista, o País prioriza a construção de presídios e pratica uma política “de enxugar gelo” para atender ao clamor social. “O sistema carcerário brasileiro já foi até condenado pela ONU (Organização das Nações Unidas), que considerou situação de genocídio”, disse. “Temos 40% dos presos em prisão provisória, aguardando julgamento.”

Para Shimizu, é necessário revisar essa legislação, como se fez inicialmente ontem, porque ela colocou o Brasil como o terceiro país do mundo (atrás apenas de Estados Unidos e China) em encarceramento. Ele usa como exemplo o parágrafo 4.º da Lei de Drogas. Para ele, ali não se veda o indulto, uma das ferramentas usadas no mundo para “desencarceramento” – como acontece na Rússia. Segundo ele, o que a lei veda é o instituto da graça (perdão concedido ao preso por mérito). “O Brasil prende muito, mal e ilegalmente.”

Ele questionou ainda os custos do preso no sistema carcerário. “Nesses dados são incluídos de gasto com construção de presídio a salário dos servidores e do secretário.” Segundo o defensor, um preso custa mensalmente cerca de R$ 200 com comida e R$ 17 com produtos adicionais. “Quem mantém o preso é a família”, disse.

Juízes

Para Bruna Angotti, coordenadora do núcleo de pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a decisão do Supremo deve ainda “reduzir o peso da caneta dos juízes nas decisões” e contribuir para que mulheres presas por tráfico tenham direito ao indulto, em Natal e Dia das Mães. “Isso provoca um terrível efeito dominó extramuro, tanto no cuidado com os filhos como no sustento do lar.”

Fonte: Exame

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70 Comentários

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Estamos indo na contra mão dos países desenvolvidos, com essa politica de repressão. Com as descriminalização das drogas, podemos economizar bilhões em processos, pagamento das policias, carceragem etc. E ainda arrecadar mais bilhões em impostos, podemos investir tudo isso em saúde, educação e tecnologia.
Além do mais pode-se investir em pesquisar para criar drogas com menos efeitos colaterais. continuar lendo

O comentário mais objetivo, inteligente e promissor que eu já li hoje. Parabéns. continuar lendo

Com esses "bilhões" economizados, deverão investir tudo na saúde e segurança (e olhe lá se não for para cuecas alheias), uma vez que as drogas retira a capacidade de autodeterminação dos usuários, que passam a serem escravos da necessidade de consumir drogas. E desta necessidade, passam a furtar, roubar e cometer outras atrocidades para sustentar o seu vicio. Sem contar aqueles que VÃO precisar da assistência médica governamental (que já é precária), para tentar se tratar do vício, ou para curar daquela overdose. Não vejo nenhum lucro nisso. Sou a favor da legalização da droga SIM, para o uso do bem, medicinal, como o caso na cannabis sativa. continuar lendo

Rafaele Vieira,

Digo mais ... o tráfico irá potencializar as drogas e continuar vendendo no paralelo.

Sugiro esta leitura .. são mais de 70% dos casos: "Crimes cometidos sob efeito de drogas sobrecarregam a justiça"
http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/06/16/interna_politica,406360/crimes-cometidos-sob-efeito-de-drogas-sobrecarregam-a-justica.shtml

A Justiça tem que ser mais célere e as leis mais rigorosas e ágeis, fazendo uso dos bens apreendidos dos traficantes contra eles próprios e não leiloar um carro de luxo depois de 10 anos parado num pátio da vida. continuar lendo

Os USA está na contramão de seu comentário. continuar lendo

Armpit Lover, basta pesquisar um pouquinho que irá perceber que seu comentário é incabivel, uma vez que em todos os países que regulamentaram a maconha, por exemplo, a taxa de uso da mesma apenas diminuiu, assim como os crimes relacionados a esta droga. continuar lendo

Parabéns meu amigo! A repressão às drogas só servem para corromper as polícias.
Porque não vendê-las em farmácias? Os impostos arrecadados ajudariam em curar aqueles que se dispunham buscar uma vida saudável. continuar lendo

Parabéns pelo seu comentário, Carlos Eduardo. Sem dúvida seria a ação mais inteligente. E @rafinhalmv , seu argumento está totalmente equivocado. Primeiro porque ele parte do pressuposto que a proibição, com todo o gasto de dinheiro público, violência e repressão, resolve o problema das drogas ou o que se tornou o problema das drogas. Como sabemos, tal política não diminui o consumo e nem protege o usuário. Só esse fato desqualifica toda sua argumentação. Se você não compreendeu ainda, é simples: dinheiro está sendo gasto para enxugar gelo. O consumo já existe, quer seja proibido ou não. continuar lendo

Isso só na sua cabeça!
Na prática nunca deu e nunca vai dar certo!!
Se atualize. A holanda já se arrependeu de liberar drogas para efeito recreativo. O tratamento de dependentes é muito maior que o benefício esperado!!! continuar lendo

Olha que legal, uma população de viciados em crack, todos sob o manto da lei e o manto do cobertor sujo na porta da nossa casa, na espera inútil dos trocados da caridade alheia para sustentar legalmente o seu vício.
Olha que bacana, uma população de crianças abandonadas e indesejáveis, jovens promíscuos e doentes , sem vontade e sem futuro. É um verdadeiro sonho para os banqueiros, que no fim da linha se locupletam com os nossos impostos. continuar lendo

Meu caro João Anon, respeito sua opinião, mas não concordo. O senhor acaba de confirmar no seu comentário que as drogas são um problema. E o senhor acha que a liberação de todos os tóxicos irá amenizar tal problema? Se já existe o consumo, mesmo proibido, será que o consumo não iria aumentar, ainda mais, com a liberação? Baseado em que o senhor fala isso? Não conheço nenhum lugar que o problema das drogas foi resolvido. A droga é um problema MUNDIAL. Se é um problema mundial, o que faz o senhor pensar que a descriminalização das drogas daria certo no nosso humilde País corrupto de terceiro mundo?
O que estou tentando dizer é que a droga, em si, não é só um problema. A droga desencadeia outros tipos de problemas na sociedade, como citei no outro comentário: furto, roubo, desestruturação familiar, saúde pública precária.
A partir do momento que a droga deixa de ser um problema somente do usuário e passa a ser da sociedade, é necessário que o governo tome medidas. E, por enquanto, a proibição das substâncias é uma medida.
Um abraço.

https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2015/06/relatorio-mundial-sobre-drogas-de-2015-ouso-de-drogaseestavel--masoacesso-ao-tratamento-da-dependenciaedo-hiv-aindaebaixo.html

http://g1.globo.com/cienciaesaude/noticia/2013/12/pesquisa-mostra-como-drogas-desestruturam-família-de-dependentes.html continuar lendo

Carlos, se o nosso governo federal tivesse vergonha na cara, aparelhava as Policias de fronteiras do ar, terra e mar para impedir a entrada de drogas e de armas. E quem faz tráfico deve ser considerado realmente crime hediondo, pois, destrói muitas famílias. continuar lendo

Como os Ministros do STF costumam dizer, "somos os guardiões da Constituição e defensores da Justiça". Ai eu me pergunto, reduzir a punição de traficante para réu primário é defender a Justiça? continuar lendo

Cara e douta Camila:
Discordo integralmente do decisum do STF, ora em comento, mormente em se tratando do tráfico de entorpecentes, quanto a "suavização" para o réu primário, concordando, portanto, com a exposição argumentativa do promotor criminal, Marcelo Barone, a quem cabe toda a razão.
"Suavizar" a penalização de réus primários é, seguramente, uma estratégia bizarra para incrementar e "engordar" o universo dos iniciantes à "profissão" de traficante. A meu ver, a política adequada e correta seria diametralmente a contrária: endurecer o castigo a fim de inibir o crescimento das "mulas", as quais, ao perceber o dinheiro fácil e (aparentemente) com pouco risco (por serem primários), sentir-se-ão inclinados a ampliar seus préstimos ao traficante-mor.
O mesmo se aplica, ainda, ao âmbito da política criminal em relação aos benefícios da lei ou do Juiz da Vara de Execuções Penais (suspensão da pena, liberdade condicional, etc.) competente, destinados - não raro - a réus considerados de média ou alta periculosidade.
O tráfico de entorpecentes deveria ser considerado uma falta gravíssima e, como tal, punida adequadamente. Ser-se permissivo neste tipo criminal, só irá manter e até incrementar o tráfico de substâncias tóxicas que causam dependência física e/ou química, com intuito de lucro. continuar lendo

Deixa eu te fazer uma pergunta. Digamos que o traficante venda apenas maconha, o que tem muito, basta ver as notícias no Google. Segundo estudo publicado na Scientific Reports, subsidiária da revista Nature, uma das mais conceituadas no mundo, afirma que "álcool é 144 vezes mais letal que a maconha". Visto isso, é justo penalizar o traficante de maconha com uma falta gravíssima, como você propõe? Sendo que o álcool é vendido livremente por aí? Me parece hipocrisia. Além disso, ninguém obriga ninguém a comprar nada. Outra coisa, mesmo com penas rigorosas, esse mercado rende bilhões. Seria mais inteligente regulamentar e não aumentar a repressão, pois esta não surtiu resultados. continuar lendo

Quando se argumenta que o tráfico vem ditando leis neste país acham que a gente está delirando.
Impunidade também é apoio, se não incentivo. continuar lendo

ELES TEM CULPA, SIM

O psiquiatra inglês Anthony Da­niels, de 61 anos, é mais conhe­cido em seu país como Theodore Dalrymple, pseudônimo utili­zado por ele em artigos com análises impiedosas mas realistas sobre o siste­ma prisional, o comportamento dos cri­minosos e o vício em drogas, entre ou­tros temas.

Aposentado desde 2005, começou a escrever sobre sua expe­riência de quinze anos como médico em prisões britânicas quando ainda es­tava na ativa, daí a necessidade de assi­nar com outro nome. Antes, trabalhou em países africanos como Tanzânia, África do Sul e Zimbábue. Daniels é autor de 22 livros e colaborador regular de publicações como a revista The Spectator e o jornal The Telegraph. Re­centemente, escritos seus sobre a im­portância da religião foram citados no manifesto de Anders Breivik, o autor do massacre na Noruega. "Não fiquei nada feliz com isso", diz Daniels. Na semana passada, em visita ao Brasil, ele falou a VEJA.

O senhor costuma dizer que a influência das teses do suíço Jean-Jacques Rous­seau (1712-1778) prejudicou a noção de responsabilidade no mundo atual. Por quê?

Rousseau difundiu a idéia de que o ser humano é naturalmente bom, e que a: sociedade o corrompe. Eu não sou religioso, mas considero a visão cristã de que o homem nasce com o pecado original mais realista. Isso não significa que o homem é ine­vitavelmente mau, mas que tem de lu­tar· contra o mal dentro de si. Por in­fluência de Rousseau, nossas socieda­des relativizaram a responsabilidade dos indivíduos. O pensamento intelec­tual dominante procura explicar o comportamento das pessoas como lima conseqüência de seu passado, de suas circunstâncias psicológicas e de suas condições econômicas. Infeliz­mente, essas teses são absorvidas pela população de todos os estratos sociais. Quando trabalhava como médico em prisões inglesas, com freqüência ouvia detentos sem uma boa educação formal repetindo teorias sociológicas e psicológicas difundidas pelas uni­versidades. Com isso, não apenas se sentiam menos culpados por seus atos criminosos, como de fato eram trata­dos dessa maneira. Trata-se de uma situação muito conveniente para os bandidos, pois permite manter a cons­ciência tranqüila. Podem dizer que roubam porque não tiveram oportuni­dades de estudo, porque nasceram na pobreza ou porque sofreram algum trauma de infância, entre outras des­culpas. "Enquanto a sociedade não mudar, não se pode esperar que eu me comporte de outra forma", tal é o dis­curso corrente entre os presos.

Por que os intelectuais incentivam esse pensamento?

Intelectuais são, em geral, pessoas muito desonestas. Eles não pensam em si mesmos como irrespon­sáveis, mas costumam atribuir essa ca­racterística a outras pessoas com gran­de facilidade. Ao criarem explicações sociológicas e psicológicas para des­vios de comportamento, eles acabam por desumanizar os criminosos. Um exemplo disso ocorreu na Inglaterra anos atrás, quando houve uma onda de furtos de cano. Os bandidos envolvi­dos nesses crimes, além de lucrar com isso, realmente gostavam da emoção de furtar muitos veículos em um curto pe­ríodo de tempo. Alguns criminologis­tas e psicólogos, ao analisar o fenôme­no, começaram a dizer que furtar car­ros era uma forma de vício. Sobre essa teoria, produziram-se inúmeros estu­dos, alguns dos quais incluíam até exa­mes de ressonância magnética do cére­bro dos bandidos, pára provar que se tratava de uma doença neurológica. Em pouco tempo, os ladrões de carro co­meçaram a me dizer na cadeia q ue eram viciados em furtar veículos. Eles obviamente não chegaram a essa con­clusão sozinhos. Apenas estavam repe­tindo urna tese produzida por arrogan­tes intelectuais de classe média que desconsideravam o fato de os bandidos serem capazes de escolher entre o certo e o errado independentemente de fato­res externos. Negar sua capacidade de discernimento é O mesmo que diminuir sua humanidade.

Isso também vale para criminosos com prováveis distúrbios mentais, como An­ders Breivik, que matou 77 pessoas no mês passado na Noruega?

Sim. Breivik pode ser louco, mas nem por isso é menos responsável por seus atos. Na tradição legal anglo-saxônica, o mero fato de você ser doente mental não sig­nifica que não esteja apto a responder por um crime. Depende do tipo e do grau da loucura. Suponhamos que os médicos descubram que Breivik tem um tumor no lobo frontal do cérebro. Em casos como esse, o indivíduo pode, sim, ser menos responsável por seus atos. Da mesma forma, muitos idosos com Alzheimer perdem a inibição se­xual e comportam-se de maneira ina­propriada. Há, portanto, algumas doen­ças neurológicas que atrapalham a ca­pacidade da pessoa de ter consciência plena de seus atos criminosos ou antis­sociais. Não acho que Breivik se encai­xe em nenhuma dessas categorias.

É possível arriscar um diagnóstico sobre Breivik?

O assassino norueguês é, ob­viamente, um homem muito estranho., Ele tentou justificar a matança com um manifesto de 1500 páginas. A leitura de algumas páginas é suficiente para notar características muito claras.

A primeira é que ele acredita ter en­contrado as respostas para todos os problemas do mundo. A segunda é que ele é paranóico, pois pensa que há uma grande conspiração destruindo seu país. Terceiro, ele é narcisista. Breivik tem uma idéia muito elevada c exage­rada de sua própria aparência. À parte tudo isso, ele também tem inúmeros ressentimentos pessoais. Seu pai o abandonou quando ele era ainda muito jovem, por exemplo. A verdade, po­rém, é que nada disso serve para traçar o perfil de um assassino como ele.

É possível encontrar muitas pessoas com as mesmas características e que nunca fizeram ou farão o que ele fez.

Em seu manifesto, a frieza de Breivik es­tá expressa na convicção de uma verda­de absoluta sobre o mundo. O senhor identificou frieza parecida, beirando a psicopatia, ao analisar a obra de ficçãode Cesare Battisti, o terrorista de es­querda que foi condenado por quatro as­sassinatos na Itália e ganhou visto de permanência para viver no Brasil. O se­nhor vê semelhanças entre os dois?

Há semelhanças, sim. Ambos tinham certeza de que, com seus crimes, estavam fazendo o bem. Isso, evidentemente, demonstra que não tinham nenhum senso de proporção. Eles não conse­guiam perceber que sua irritação em relação à sociedade, ao sistema político e ao governo de seu país era, na verda­de, irrelevante e de uma dimensão muito inferior comparada a todos os outros problemas da humanidade. Sem esse freio psicológico ou moral, eles se con­sideraram no direito de dispor da vida de inocentes como bem entenderam.

Como explicar a simpatia de intelectuais e políticos brasileiros por Battisti?

Acho que, na visão dessas pessoas, Battisti teve coragem de exibir uma brutalidade que elas gostariam de ter tido em algum momento da vida. Ao apoiá-lo, elas dão respaldo simbólico a um passado pessoal perdido. Além disso, os crimes perpetrados por esta­dos e grupos totalitários de esquerda ainda encontram justificativa ideológi­ca. Muita gente acredita piamente que os erros cometidos em nome do co­munismo foram por uma causa nobre, o que é um absurdo. Em especial, os intelectuais que compactuavam com o marxismo. Dá para entender: eles eram levados a acreditar que tinham um papel de liderança na sociedade. Com o desmoronamento do Muro de Berlim, foram empurrados para a irre­levância. Tudo o que esses intelec­tuais mais odeiam é uma sociedade que não precisa deles. Por isso, prote­gem indivíduos como Battisti: para reviver um período idealizado.

O senhor é a favor de prender consumidores de drogas?

A maneira como ve­mos o vício de drogas é errada. Trata­mos os viciados como vítimas, incapa­zes de ser responsabilizados por suas escolhas. Isso é falso. Eles não são ví­timas de seu próprio comportamento. Não existe droga tão viciante a ponto de ser impossível livrar-se dela. Os drogados usam os entorpecentes por uma decisão pessoal. Isso não significa que eu não me solidarize com essas pessoas. O estado mental que as drogas induzem é muito atraente para elas, em comparação com sua realidade. Mas, quando cometessem algum crime, ain­da que pequeno, sob efeito de drogas ou para comprá-las, os viciados deve­riam ser forçados a entrar em uma clínica de reabilitação. Se não aceitassem o tratamento, deveriam ser mandados para a prisão. Isso lhes daria motivação para levar a sério o processo de reabili­tação, pois o maior problema com o ví­cio é que as pessoas não encontram ra­zões para parar. O medo da prisão pode ser uma delas. A outra é a certeza de ter uma vida melhor livre das drogas.

A prisão pode ser eficiente mesmo com a facilidade de conseguir drogas atrás das grades?

Sim, porque o indivíduo não estará na rua, violando a lei. A prisão não é uma instituição terapêuti­ca. Sua função principal é prevenir crimes que um condenado poderia co­meter se estivesse solto. Há também evidências de que, quanto mais tempo uma pessoa fica na cadeia, menor a probabilidade de voltar à bandidagem depois de ser libertada.

Penas longas são mais eficientes?

Sim. Na Inglaterra, por exemplo, temos pe­nas muito brandas e poucos detentos. Isso não é bom. A polícia inglesa, muito incompetente, prende apenas um em cada doze assaltantes de casas.. Destes, um em cada treze recebe pena de prisão. Isso significa que apenas um em cada 156 assaltantes cumpre pena em presídio. A média para esse tipo de crime é de um ano de cadeia. Na In­glaterra, isso significa que o bandido é solto em apenas seis meses. Com uma punição tão leve, a pergunta não é por que ocorrem tantos assaltos, mas por que há tão poucos. Meu país deixou de ser uma sociedade ordeira para se tor­nar uma das mais afetadas pela crimi­nalidade, quando comparada a outras da Europa. O número de presos caiu em proporção ao de crimes. Em 1900, para cada 6,5 crimes registrados, havia um detento. Em 2000, eram 114 cri­mes para cada preso. Claro que penas curtas são melhores do que nada. Um bandido reincidente comete, em mé­dia, 140 crimes por ano. Ou sej a, se ele for mantido na prisão por seis me­ses, setenta crimes serão evitados, o que também é bom. Um dos argumen­tos contra as penas de prisão é que a maioria dos detentos é pobre, e que is­so é injusto. Ocorre que a maior parte de suas vítimas também é pobre.

E, como o número de vítimas é sempre muito maior do que o de bandidos, prendê-los não é uma punição aos pobres, mas um benefício a eles.

A Justiça brasileira passou a ter à sua disposição medidas altemativas à prisão preventiva, como monitoramento eletrô­nico e pagamento de fiança. Isso é bom?

Pela experiência britânica, tais medidas são um desastre. Um terço de to­dos os crimes da Escócia, inclusive es­tupros e assassinatos, é cometido por pessoas em liberdade condicional. Sou a favor desse recurso em algumas cir­cunstâncias, como para crimes não violentos, mas para uso geral é uma tragédia. As tornozeleiras eletrônicas são uma temeridade em lugares onde a administração pública não é eficiente. Nem na Inglaterra a polícia consegue monitorar os criminosos com esses equipamentos. A pena de prestação de serviços comunitários também é um pesadelo. A taxa de reincidência para bandidos condenados a prestar servi­ços comunitários é a mesma dos que recebem pena de prisão: 70%. O pro­blema é que a estatística conta apenas os crimes cometidos após o fim da pe­na. Nada garante que, enquanto estão soltos, prestando serviços comunitá­rios, eles não cometam novos crimes. Por fim, em média, cada detent o na In­glaterra já foi condenado outras dez vezes a penas alternativas. Ou seja, não adiantou nada. Basicamente, ao saber que cumprirão penas alternativas e ficarão soltos, os bandidos se con­vencem de que não têm nada a perder ao cometer um crime. É melhor man­tê-los presos, e por bastante tempo.

Entrevista ANTHONY DANIELS

Revista Veja, 17 de agosto de 2011 continuar lendo

Excelente texto para reflexão, concorde-se ou não com ele. Obrigado por compartilhar! continuar lendo