Advogado escreve petição em forma de poesia e juiz responde com versos
Sobram, contudo, verbos no infinitivo, recurso considerado "rima pobre". A decisão do juiz, por outro lado, mostra mais elaboração de métrica (um poema veio dois anos depois do outro, justiça seja feita).
"Essa é a contestação,
Parece de canastrão
Mas, sem atrevimento.
Pede, suplica o deferimento"
Olavo Bilac? Álvares de Azevedo? Estes versos são, na verdade, de outro advogado poeta: Carlos Antonio do Nascimento (rima com deferimento, não por acaso) submeteu uma petição em forma de poesia. São 18 versos que, segundo o advogado, contém todos os requerimentos básicos do documento legal. A decisão do juiz Zacarias Leonardo, também em poema, foi publicada no último 11 de junho - e é favorável ao cliente do advogado. O curioso caso foi divulgado pelo próprio Tribunal de Justiça do Tocantins, nessa segunda-feira (6/7).
“Tentei valorizar a riqueza da língua portuguesa", explica Nascimento, que é fã de Cecília Meireles desde os tempos de escola. A linguagem jurídica não ficou totalmente de lado. Palavras como" réu e jurisprudencial "foram usadas no poema porque, segundo o advogado, uma petição preliminar precisa ter a narração dos fatos, fundamentação jurídica e o pedido: “Consegui demonstrar todos os requisitos em 18 versos”. Sobram, contudo, verbos no infinitivo, recurso considerado" rima pobre ". A decisão do juiz, por outro lado, mostra mais elaboração de métrica (um poema veio dois anos depois do outro, justiça seja feita).
No caso, um motoqueiro se envolveu em acidente e não teve o seguro pago, em 2013. E o que o cliente achou? “Ele gostou, já que o juiz atendeu a petição”, afirma Nascimento. O advogado adverte que o artifício não pode ser usado em toda petição. Mas que é possível fazer isso desde que o trabalho respeite a legislação, a forma jurídica e o juiz, sem ridicularizar as partes envolvidas.
Confira o poema na íntegra:
Senhor Juiz
O autor sobre o evento sete (07) vem falar
Que lesado foi ao acidentar
Por isso, procurou onde a demanda ajuizar
Preferiu o domicílio do réu sem vacilar
Sendo competência territorial pôde optar
Seja, onde há sucursal ou onde morar
Isso é jurisprudencial não precisa reafirmar
Ademais, o réu sabe que deve pagar,
Aqui ou em outro lugar
Porém, para modificar, não basta alegar
Prejuízo tem que demonstrar
Sobre esse intento não conseguiu provar.
Portanto, o autor para finalizar
Pede para o doutor, a presente rejeitar
Essa é a contestação,
Parece de canastrão
Mas, sem atrevimento.
Pede, suplica o deferimento
Carlos Nascimento
E a resposta:
Decido:
Em versos e jurisprudências responde o excepto;
Não pode ser acolhida a exceção;
Acertado pontua;
O juízo competente é do domicílio do autor ou do local do fato;
Esqueceu-se a excipiente não ser escolha sua.
A lei contemplou o domicílio do autor ou o local do acidente;
Assim é mais fácil para a vítima do sinistro pensou o legislador;
Em sua casa, com sua gente ou onde se feriu o requerente;
Pareceu mais propício buscar lenitivo e reparo à sua dor;
Mas, onde mora o requerente? Perquire o judicante;
Mora em Palmas e se feriu quando no interior se encontrava;
Em seu parágrafo único o artigo cem (100) soluciona o embate;
O foro do domicílio do autor era escolha que bastava.
A contestação não parece de canastrão;
Pelo contrário, sem respaldo legal e sem assento;
Parece, isto sim, a exceção, uma medida de protelação;
Coisa de instituição financeira querendo ganhar tempo.
De fato a jurisprudência é de remanso;
Por outro lado a legislação é de meridiana clareza;
Enquanto o requerente espera ansioso o desfecho;
Navega tranqüila a seguradora sob o benefício da destreza.
É preciso colocar na espera um ponto final;
Por isso, sem mais delongas, porque não sou poeta;
Firmo de logo a competência do juízo da capital;
É aqui que se deve resolver o quanto o caso afeta
Zacarias Leonardo
Juiz de Direito
68 Comentários
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O meritíssimo arrebentou... Decidindo de forma clara, sem contudo não perdendo o bom humor!!
Parabéns!!! Magistrado!!! continuar lendo
Seria interessante se o medico ao fazer uma cirurgia pedi-se os instrumentos em rima ou, quem sabe, os cálculos de um "concreto armado" fossem fornecidos em prosa. Que tal um poema ou uma cronica nuclear. Há que mundo belo e perigoso.
Poupem-me, para tudo há uma hora, local e plateia. continuar lendo
Desculpem saiu pedi-se em lugar de pedisse. continuar lendo
Jorge, de poema nuclear tem "rosa de Hiroshima" de Vinícius de Morais. continuar lendo
Se em poesia ou em cursiva, pouco importa,
Cumpre ao querelante dizer o que pretende,
E à justiça, apreciar sem se fazer de morta.
Ao final, o que resta é dar a razão
Com base nos fatos e no direito
Para realizar a justiça sem hesitação! continuar lendo
Olha só, quantos poetas!! rsrsrs Muito bom! continuar lendo
Muito bom mesmo! hahaha continuar lendo
Não deve ser fácil criar versos como forma de argumentar num processo, razão pela qual, admiro o colega que para esta finalidade também o faz.
Quanto ao Juiz, parabéns pelo dom de descrever realidades jurídicas com linguagem poética.. continuar lendo
Todas os versos terminam em "ar" o q torna o poema desinteressante, mas convenhamos poesia é algo belo. continuar lendo
Muito bom!!!
Oxalá tivessem mais casos como esse. continuar lendo
deu pra descobrir agora porque a justiça é lenta, porque o processos não "andam", porque um processo leva anos para ser decidido ? .
- daqui a pouco vão registrar as petições e as decisões no CADE e pedir "direitos autorais", com direito a sambinha.
Parece que tanto o advogado como o juiz erraram de profissão.
E na audiência, se cair uma tampa no chão e fizer barulho eles saem dançando.
-imaginou: Excelência pode me dar o prazer da contradança ?? continuar lendo
Não Vilarde, esta peça é muito simples, fácil de ler, explicação clara. Muito melhor que uma peça cheia de enrolação, isso sim atrasa processos. continuar lendo
Ao colega, Dr. Vilardi - se não me engano, o "CADE" - Conselho Administrativo de Defesa Econômica dedica-se a apreciar os casos de fusão de empresas, formação de oligopólios, abusos do poder econômico e temas afins. Até onde sei, o "CADE" não tem muito a ver com "direitos autorais". Quanto à sua crítica sobre a lentidão da justiça, não vamos usar isto como argumento para desmerecer os dois poemas, por sinal bem criativos. Abraços e perdão por apontar um possível equívoco da sua parte. continuar lendo
Eu ri muito! É louvável o bom humor do magistrado e do advogado. continuar lendo